"All work and no play makes Jack a dull boy."
Título original: The Shining. Dirigido
e produzido por: Stanley Kubrick. Roteiro de: Stanley Kubrick, Diane Johnson.
Montado por: Ray Lovejoy. Fotografia de: John Alcott. Estrelando:
Jack Nicholson, Shelley Duvall, Danny Lloyd e Scatman Crothers.
Nada melhor que inaugurar o
blog com uma crítica acerca desta obra-prima do fantástico diretor Stanley
Kubrick. Apesar de ser um filme de terror, sempre encarei a produção como
um ensaio sobre pessoas, relacionamentos, confinamento e, principalmente,
solidão. Os personagens, apesar de terem uns aos outros, encontram-se sozinhos,
cada um preso a seus próprios dramas e impressões pessoais.
A trama gira em torno de
Jack Torrance (Jack Nicholson), que durante o inverno é contratado como zelador
no imenso e isolado Hotel Overlook, no Colorado. Antes de ser admitido, ainda
na estrevista, o dono do hotel conta a Jack a história de um antigo zelador
que, afetado pela síndrome da cabana (onde indivíduos isolados se rebelam uns
contra os outros) mata a esposa e suas duas filhas. Durante 5 meses, ele terá
que ficar confinado junto com sua esposa Wendy (Shelley Duvall) e filho Danny
(Danny Lloyd), que possui um dom especial que, entre outras coisas, o dá visões
do que acontecerá no hotel. Ao chegarem no local, são guiados por Dick
Hallorann (Scatman Crothers), um cozinheiro que possui o mesmo dom de Danny, sendo capaz inclusive
de se comunicar telepaticamente com o garoto. O cozinheiro revela a Danny que a habilidade compartilhada por eles é hereditária, informação útil para interpretar a abordagem que Kubrick
escolhe na maior parte da película.
O filme não deixa claro se
as visões de Jack são fruto de sua mente perturbada ou, simplesmente, de
fantasmas presentes no hotel. Nesse balanço entre psicológico e sobrenatural, o
diretor leva o espectador a enxergar as aparições no hotel como fragmentos de
um passado que se manifestam ali, independente de sua origem. É interessante
notar o uso da cor vermelha e de espelhos toda vez que Jack se encontra diante
de um “fantasma”, ressaltando, dessa forma, os problemas e ansiedades do
personagem, à medida que ele [Jack] deforma sua perspectiva de si mesmo e de
sua família.
A construção visual do hotel, com seu exterior cinzento e sua decoração sóbria repleta de motivos indígenas, o que o torna ainda mais assustador, visto que
supostamente foi construído sobre uma área de conflito entre colonizadores e nativos, com as terras tendo sido tomadas
à força. A importância da steadicam para a narrativa é imensa, ao colocar o
espectador na altura de Danny, deixando o local ainda mais perturbador. Outro
detalhe interessante é o som angustiante do velotrol no assoalho e nos tapetes, que
dificilmente seria conseguido sem os equipamentos próximos do pequeno ator (o
próprio Kubrick se surpreendeu com o efeito do som diegético).
No que tange às atuações,
Jack Nicholson dá um show à parte com suas expressões intensas e, às vezes, um
tanto caricatas. Shelley Duvall está excelente como Wendy, tendo a ingenuidade e
o desconhecimento da personagem ressaltados com o figurino meticulosamente
pensado, soando ao mesmo tempo comportado, recatado, reprimido e abobalhado.
Outro destaque é Danny Lloyd, o garoto de 6 anos que foi tão protegido por
Stanley Kubrick que só descobriu o verdadeiro gênero do filme anos mais tarde.
Sendo inspirado pela
obra de Stephen King, e não adaptado desta, o filme homenageia o livro em
diversas cenas. A mais evidente é o plano que mostra um homem vestido de
cachorro, supostamente praticando sexo oral. É uma singela referência ao livro,
em que a subtrama envolvendo o homem é detalhada, sendo usado por Kubrick
apenas para propósitos dramáticos e narrativos.
A fotografia mostrada na
cena final sugere uma nova abordagem que se contrapõe ao tom psicológico
adotado na maior parte da narrativa, sendo possível escrever páginas e páginas
de interpretações. Ao levar o espectador a questionar-se, Kubrick ratifica que,
para ele, a função do cineasta é levantar questões, e não dar respostas.
Por Bernardo Argollo
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